Luciano Bonilha, sobrevivente da tragédia da Boate Kiss, compartilha sua experiência e reflexões sobre os acontecimentos daquela noite de 27 de Janeiro de 2013. Ele revisita os detalhes do incêndio que tirou a vida de 242 pessoas, aborda os desdobramentos judiciais e as marcas que carrega desde então. Abaixo, trechos da sua entrevista.
O Incêndio e a falta de preparação
“Naquela noite, eu vi o Marcelo tentando usar um extintor de incêndio, mas percebi que ele não sabia como usá-lo. Eu também não sabia. Nunca tivemos treinamento, nem a banda, nem a boate. O extintor não funcionou e, num ato inocente, joguei água no fogo, acreditando que ajudaria, mas isso só aumentou as chamas. É importante entender que cada tipo de fogo exige um extintor específico, e nós não tínhamos essa informação.”
Luciano destacou que, após a tragédia, normas de segurança foram reforçadas, mas naquela época, a conscientização era mínima. “Treinamento era algo que simplesmente não acontecia. A banda deveria ter recebido orientação, assim como o pessoal da boate.”
O desespero na fuga
“Quando o fogo se espalhou, o desespero tomou conta. Eu caí, preso em um ferro, com corpos sobre mim. Pedi a Deus que me tirasse dali. Quando consegui sair, percebi o tamanho da tragédia. Mesmo assim, voltei para ajudar a tirar outras pessoas.”
Luciano lembra que a fumaça tóxica foi a maior causa de mortes. “Não era o fogo, era a fumaça que matava. A visão era horrível: pessoas desmaiadas, algumas só de roupas íntimas, sendo retiradas. Eu ajudava como podia. Até bombeiros estavam desorientados. Foi um caos total.”
A espuma no tecto e a estrutura da Boate
Sobre as condições da boate, Luciano menciona reformas e materiais inadequados. “A boate já havia passado por reformas devido a problemas de barulho. Foi quando colocaram a espuma no tecto. Essa espuma, que deveria ajudar na acústica, se tornou combustível para o fogo.”
Ele também aponta falhas de fiscalização. “A boate foi liberada pelo Ministério Público e pelos bombeiros, mesmo com irregularidades visíveis, como a espuma e o guarda-corpo grudado no chão. Por que essas pessoas não estão no banco dos réus junto connosco?”
O impacto psicológico e as acusações
Após o incêndio, Luciano foi preso e acusado de homicídio, com outros integrantes da banda e os proprietários da boate. “Me disseram que matei 204 pessoas. Aquilo foi um golpe. Eu não saí de casa para matar ninguém, saí para trabalhar.”
O trauma persiste até hoje. “Carrego as marcas psicológicas. Preciso de acompanhamento psiquiátrico. Tenho flashbacks constantes. Ainda trabalho com eventos, mas é difícil. Todo dia lembro daquela noite.”
Reflexões Sobre a Tragédia
Luciano acredita que a tragédia expôs falhas sistémicas. “Não foi só uma negligência da banda ou da boate. Foi um erro colectivo: falta de fiscalização, ausência de normas rígidas, superlotação, e a negligência de quem deveria garantir a segurança.”
Ele conclui com um apelo por justiça abrangente. “Não quero fugir da responsabilidade, mas também não posso aceitar ser o único culpado. Muitas vidas foram perdidas, e o sistema precisa ser responsabilizado.”
O relato de Luciano Bonilha oferece uma perspectiva íntima e dolorosa de uma das maiores tragédias do Brasil. É um lembrete da importância de normas rigorosas de segurança e da responsabilidade colectiva na prevenção de desastres como o da Boate Kiss.
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