Numa decisão que causou grande repercussão internacional, um tribunal militar na República Democrática do Congo (RDC) condenou à pena de morte 37 homens, entre eles três cidadãos americanos, pelo seu envolvimento numa alegada tentativa de golpe de Estado. A sentença foi proferida na sexta-feira, 13 de Setembro, e levantou questões tanto no Congo como nos Estados Unidos, devido à severidade das penas e ao facto de três dos condenados serem norte-americanos. Este julgamento foi o culminar de um processo que teve início com um ataque armado à sede da Presidência na capital, Kinshasa.
A acusação imputou aos réus crimes de associação criminosa, terrorismo e ataque armado. Entre os envolvidos está Christian Malanga, um político congolês que viveu durante anos nos Estados Unidos, e que era apontado como o principal líder do ataque. No dia 19 de Maio, um grupo de homens armados, sob o seu comando, ocupou temporariamente um escritório da Presidência, antes de as forças de segurança intervir e neutralizar a ameaça. Malanga foi abatido durante o confronto, mas a sua acção teve consequências devastadoras para os seus seguidores, incluindo três americanos que agora enfrentam a pena de morte.
De entre os três cidadãos americanos condenados, destaca-se o filho de Christian Malanga. Durante o julgamento, o jovem confessou que o seu pai o ameaçou de morte caso não participasse na tentativa de golpe. Esta revelação tornou o caso ainda mais dramático, expondo tensões familiares e a pressão a que o filho de Malanga terá sido submetido. Os outros dois americanos condenados são Tylier Thompson Jr., de 22 anos, e Benjamin Reuben Zalman-Polun, de 36 anos.
O envolvimento de Zalman-Polun, em particular, chamou a atenção devido às suas ligações empresariais em Moçambique. De acordo com boletins da República consultados pela Voz da América, Zalman-Polun era co-proprietário de uma empresa mineira sediada em Moçambique, o que acrescenta uma nova dimensão ao caso, com ramificações que se estendem para além das fronteiras da RDC.
As ligações a Moçambique e a rede empresarial de Zalman-Polun
Benjamin Reuben Zalman-Polun não era apenas um dos acusados de participação na tentativa de golpe de Estado na RDC; ele tinha também negócios activos no sector mineiro em Moçambique. Segundo documentos obtidos, Zalman-Polun era sócio de uma empresa mineira denominada Bantu Mining Company, criada em Julho de 2022. Esta empresa tinha como sócios, além de Zalman-Polun, Christian Malanga, o líder do golpe abatido pelas forças de segurança congolesas, e Cole Ducey, outro empresário com actividades no sector mineiro.
A relação entre Zalman-Polun e Moçambique não se restringe a esta única empresa. De acordo com o registo de empresas moçambicano, em Abril de 2022, pouco antes da criação da Bantu Mining Company, Zalman-Polun, Ducey e Malanga formaram também a CCB Mining Solutions, dividindo entre si as participações sociais de forma equitativa, com cada um detendo 33,33% das acções. Esta empresa, tal como a Bantu Mining Company, estava envolvida na exploração mineira, um sector estratégico em Moçambique e de crescente interesse para investidores internacionais.
Mas as actividades empresariais do trio não se ficaram por aqui. Em 2019, Malanga, Zalman-Polun e Ducey já haviam fundado a Global Solutions Moçambique, uma empresa registada inicialmente no eSwatini e que, em 2022, foi registada em Chimoio, província de Manica, em Moçambique. A Global Solutions Moçambique não se limitava à mineração, expandindo as suas operações para áreas como construção civil, segurança, educação e saúde. Curiosamente, a maior parte do controlo accionista desta empresa estava nas mãos de Malanga, com 55%, enquanto Zalman-Polun detinha 45% do capital.
No entanto, o registo desta empresa em Moçambique tem gerado suspeitas. Uma investigação conduzida pela Voz da América descobriu que o endereço associado à Global Solutions em Chimoio não existe. A rua mencionada no registo oficial da empresa não faz parte da toponímia da cidade, o que levanta dúvidas sobre a legitimidade e a transparência das operações do trio em Moçambique.
Questões e implicações internacionais
A condenação destes cidadãos americanos trouxe ao de cima várias questões que transcendem o caso judicial em si. Para além da gravidade da pena de morte imposta aos réus, a situação expõe uma rede empresarial com possíveis ramificações em múltiplos países africanos, nomeadamente Moçambique e eSwatini, e envolvendo sectores tão variados como a mineração e a construção civil.
Nos Estados Unidos, a condenação dos três cidadãos americanos está a ser acompanhada com preocupação, particularmente pelos familiares dos condenados e por grupos de defesa dos direitos humanos. O uso da pena de morte na RDC tem sido criticado a nível internacional, e este caso em particular pode vir a gerar apelos diplomáticos no sentido de uma revisão das sentenças ou, pelo menos, da sua comutação para penas de prisão.
No contexto africano, o caso destaca as complexas interacções entre o sector privado e figuras políticas em actividades económicas cruciais, como a mineração, que continua a ser uma fonte de riqueza e, por vezes, de instabilidade. A presença de empresas estrangeiras no sector mineiro africano, muitas vezes associadas a figuras controversas, poderá continuar a ser motivo de escrutínio e investigação, tanto por parte das autoridades locais como das organizações internacionais.
O julgamento destes 37 homens e as suas condenações à pena capital não só lançam luz sobre as tensões políticas internas da RDC, mas também abrem uma janela para o envolvimento de actores internacionais em questões sensíveis nos países africanos, onde a linha entre negócios e política nem sempre é clara.
Descubra mais sobre Jornal Visão Moçambique
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Facebook Comments