Por: Agostinho Muchave
Nos anos eleitorais, as redes sociais transformam-se em um campo de batalha digital, onde a informação (e a desinformação) se espalha com uma rapidez impressionante. Este fenómeno, embora proporcione uma plataforma para a participação cívica e o engajamento democrático, também apresenta desafios significativos. A seguir, exploraremos os perigos associados às redes sociais em contextos eleitorais, apresentando exemplos de como a desinformação e a manipulação online tiveram consequências graves em diferentes partes do mundo.
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Desinformação e Fake News: casos reais e impactos
A proliferação de desinformação e fake news é um dos riscos mais evidentes das redes sociais durante campanhas eleitorais. Em 2018, o Brasil foi palco de uma verdadeira crise de desinformação. A campanha presidencial foi marcada pela disseminação massiva de notícias falsas através das redes sociais como o WhatsApp. Essas fake news não só influenciaram o comportamento dos eleitores, como também alimentaram divisões e polarizações extremas na sociedade. O impacto foi tão profundo que levou a uma crescente desconfiança na integridade das eleições e nas instituições democráticas.
Em África, um exemplo alarmante ocorreu na Etiópia. Durante as eleições gerais de 2020, a propagação de desinformação através das redes sociais exacerbou tensões étnicas e políticas. Informações falsas sobre candidatos e partidos intensificaram os conflitos, contribuindo para uma escalada de violência que resultou em numerosos casos de assassinatos e destruição de propriedades. O governo etíope chegou a cortar o acesso à internet em várias regiões para tentar conter a propagação de notícias falsas e restaurar a ordem.
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Bolhas de Informação: polarização e fragmentação
As redes sociais criam bolhas de informação que podem resultar na polarização extrema da opinião pública. Nos Estados Unidos, as eleições de 2016 foram marcadas por um aumento na divisão política, amplamente atribuído ao efeito das bolhas informativas nas redes sociais. A segmentação de eleitores com base nas suas crenças pré-existentes levou a uma exacerbação das divisões sociais, tornando o debate público mais acirrado e menos produtivo. O efeito foi tão profundo que afetou a confiança nas instituições e no próprio processo eleitoral.
Na África do Sul, a polarização exacerbada também foi um problema nas eleições gerais de 2019. As redes sociais amplificaram divisões raciais e económicas, alimentando discursos de ódio e desconfiança. O resultado foi um ambiente eleitoral cada vez mais fragmentado, onde o diálogo construtivo se tornou raro e as tensões sociais aumentaram significativamente.
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Manipulação de dados pessoais: Micro-Targeting e os seus riscos
A manipulação e exploração de dados pessoais para micro-targeting é uma prática crescente durante as campanhas eleitorais. No caso do escândalo da Cambridge Analytica, revelado em 2018, descobriu-se que dados de milhões de utilizadores do Facebook foram usados para influenciar eleitores nos Estados Unidos e noutros países. A capacidade de segmentar mensagens eleitorais com base nos dados pessoais levou a uma manipulação sofisticada e invasiva, afectando a forma como os eleitores recebiam e interpretavam informações políticas.
No Quénia, durante as eleições de 2017, a utilização de dados pessoais também levantou preocupações. Houve alegações de que campanhas políticas utilizaram informações para direccionar mensagens específicas e explorar vulnerabilidades emocionais dos eleitores. Este tipo de manipulação não só prejudica a equidade do processo eleitoral, como também pode gerar desconfiança e desencanto entre a população.
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Influência estrangeira: casos de interferência externa
A interferência estrangeira nas eleições através das redes sociais é uma questão que merece atenção. No caso da Rússia, foi amplamente documentado que houve uma tentativa de influenciar as eleições de 2016 nos Estados Unidos através das campanhas de desinformação e propaganda nas redes sociais. A estratégia envolveu a criação de perfis falsos e a divulgação de notícias manipuladas para polarizar a opinião pública e influenciar o resultado eleitoral.
No contexto africano, o Zimbabwe também enfrentou problemas relacionados à interferência externa. Durante as eleições de 2018, foram detectadas tentativas de influenciar a opinião pública por meio de campanhas orquestradas nas redes sociais, muitas vezes apoiadas por actores externos com interesses específicos no resultado das eleições.
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A Importância da literacia digital: educar para a Cidadania
Para proteger-se contra os perigos associados às redes sociais em anos eleitorais, a literacia digital é crucial. Os cidadãos devem aprender a verificar a autenticidade das informações, identificar e questionar a desinformação e compreender o funcionamento dos algoritmos das redes sociais. A educação em literacia digital deve ser uma prioridade para capacitar os indivíduos a navegar de forma crítica e informada no ambiente digital.
Em Portugal, iniciativas educacionais emergem para melhorar a literacia digital, mas é essencial que esses esforços sejam ampliados e apoiados por políticas públicas e iniciativas privadas. A formação em literacia digital deve abranger todas as faixas etárias e ser uma parte integrante da educação cívica.
Os media tradicionais e as autoridades têm um papel crucial na luta contra a desinformação. As plataformas de redes sociais devem ser responsabilizadas pela gestão do conteúdo e pela implementação de medidas eficazes para combater a disseminação de notícias falsas. Além disso, a colaboração entre governos, organizações da sociedade civil e plataformas digitais é fundamental para promover a transparência e a integridade no ambiente online.
As autoridades brasileiras, por exemplo, têm enfrentado desafios significativos na regulação das redes sociais e no combate à desinformação. A criação de leis e regulamentos mais rigorosos, bem como a promoção de campanhas de sensibilização, são passos importantes para assegurar que as eleições sejam justas e transparentes.
Em anos eleitorais, as redes sociais oferecem oportunidades para a informação e a mobilização, mas também apresentam riscos substanciais. A proliferação de desinformação, a polarização extrema, a manipulação de dados pessoais e a interferência externa são questões que exigem atenção e ação. Ao fortalecer a literacia digital e exigir maior responsabilidade das plataformas e dos responsáveis pela informação, podemos ajudar a garantir que as redes sociais contribuam positivamente para a democracia e não a minem. A vigilância, a educação e a transparência são essenciais para proteger a integridade do processo eleitoral e a confiança pública nas instituições democráticas.
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