sex. fev 7th, 2025

Nádia Issufo: Olá, bem-vindo ao nosso espaço de grande entrevista. Hoje, o nosso convidado é Venâncio Mondlane, candidato presidencial nas eleições de 9 de outubro de 2024 em Moçambique. Mondlane foi o grande mobilizador das polémicas manifestações que abalaram o país, cujo objectivo era reivindicar a verdade eleitoral após denúncias de fraude durante o processo. Depois de um exílio forçado devido a alegada perseguição política, regressou recentemente ao país e está aqui para nos ajudar a entender a crise que Moçambique ainda vive. Venâncio, muito obrigada por aceitar o nosso convite.

Venâncio Mondlane: Olá, muito obrigado. Eu que agradeço a oportunidade de estar neste espaço tão privilegiado da DW.

Nádia Issufo: Apesar da pressão popular, o Conselho Constitucional proclamou a Frelimo e o seu candidato, Daniel Chapo, vencedores das últimas eleições. Venâncio, sente-se derrotado após a sua intensa luta pela reposição da verdade eleitoral?

Venâncio Mondlane: De forma nenhuma. É preciso analisar duas coisas. A Frelimo não venceu com mérito ou legitimidade, mas através de fraude, manipulação, uso da força policial e outros tipos de violência. Isso não é novidade e não pode ser o critério para medir o sucesso da nossa luta. Nos últimos 30 anos, a Frelimo tem usado esses métodos, mas o que importa agora é avaliar os ganhos concretos dessa luta.

Nádia Issufo: E que ganhos destacaria?

Venâncio Mondlane: O primeiro grande ganho foi a tomada de consciência dos moçambicanos sobre os seus direitos. Hoje, as pessoas entendem que se manifestar e buscar a verdade e a justiça não são luxos, mas direitos constitucionais básicos. Isso é um progresso cívico espectacular e gera impacto não apenas para hoje, mas para as futuras gerações.

O segundo ganho foi a exposição internacional sem precedentes do esquema fraudulento da Frelimo. Até mesmo a missão de observação eleitoral da União Europeia, a mais proeminente, continua a questionar a lisura do processo. A forma como a fraude foi exposta fez com que, pela primeira vez, a tomada de posse presidencial contasse com apenas dois chefes de Estado africanos. Até parceiros tradicionais da Frelimo estiveram ausentes.

Venâncio Mondlane: Muitos apontam também o despertar da unidade nacional como um dos reflexos das manifestações. Concorda?

Venâncio Mondlane: Com certeza. Pela primeira vez, vimos moçambicanos de diferentes estatutos sociais e económicos unidos nas ruas, cantando o hino nacional e o hino da África. Esta união corrigiu divisões históricas criadas pela Frelimo ao longo de 50 anos. Além disso, houve uma exaltação da identidade africana e cultural, algo que aumentou a consciência cívica e histórica do povo.

Nádia Issufo: Considerando todos esses ganhos, como pretende continuar a potenciar este sentimento de cidadania e de luta pelos direitos?

Venâncio Mondlane: Vamos continuar a despertar o povo sobre os seus direitos, especialmente em relação às comunidades e ao grande capital internacional, como a indústria extractiva. Já existem exemplos concretos de comunidades que começaram a negociar directamente com empresas, como em Auro e Moma. Estas negociações mostram que, quando o governo falha em defender os interesses do povo, a Constituição permite que as comunidades ajam directamente.

Outro ponto é a promoção da democracia activa. Recentemente, lancei um decreto que chamei de “governo do povo”, com propostas que incluem o fim da violência policial desproporcional, libertação incondicional dos detidos, assistência médica para as vítimas da repressão, indemnizações para famílias das vítimas mortas pela polícia, e linhas de financiamento para pequenas e médias empresas afectadas.

Nádia Issufo: Estas medidas visam dar respostas concretas à crise. Mas há abertura por parte do governo para o diálogo?

Venâncio Mondlane: Infelizmente, não. Desde o início das manifestações, tenho afirmado que estou disponível para o diálogo e apresentado propostas concretas, mas o governo não demonstrou qualquer interesse em discutir. A postura da Frelimo continua arrogante e violenta. A nomeação de novos juízes, por exemplo, é um sinal claro de que nenhuma reforma será feita.

Nádia Issufo: Venâncio, para finalizar, que mensagem deixa para os moçambicanos que ainda enfrentam esta crise?

Venâncio Mondlane: Quero que os moçambicanos saibam que esta luta é deles, não é minha. Estamos a construir uma Moçambique onde o povo tem voz e não é silenciado por regimes autoritários. Continuemos firmes, porque os ganhos desta luta são para as gerações presentes e futuras. A Frelimo pode tentar sufocar-nos, mas não pode apagar o despertar de uma nação inteira.

Nádia Issufo: Muito obrigada, Venâncio Mondlane, por esta conversa esclarecedora.

Venâncio Mondlane: Obrigado a si e à DW por este espaço.

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