CAPA
Identidade em julgamento: perseguição e resistência – PEN International denuncia repressão global contra escritores

A liberdade de expressão encontra-se sob ataque feroz em diversas partes do mundo, com escritores a serem perseguidos, presos e censurados pelo simples facto de ousarem expressar a sua identidade. No dia 21 de Março de 2025, a PEN International lançou “Identity on Trial: Persecution and Resistance – Case List 2025”, um relatório alarmante que expõe a crescente repressão imposta a autores devido ao seu género, orientação sexual, etnia ou crenças religiosas.
O documento revela um padrão global inquietante: governos autoritários e forças opressoras intensificam o silenciamento de vozes críticas por meio de processos judiciais fabricados, censura impiedosa e violência sistemática. Numa altura em que os próprios princípios dos direitos humanos internacionais estão a ser questionados, a comunidade literária global enfrenta uma ofensiva sem precedentes.
Perseguição com base na identidade: o novo método de silenciamento
Mulheres escritoras continuam a ser alvo preferencial da repressão, representando 29% dos casos documentados no relatório. Contudo, o número de processos judiciais, censura e assédio contra elas é desproporcionalmente elevado. No Afeganistão, por exemplo, o regime talibã eliminou brutalmente as mulheres da vida pública, instaurando um sistema de segregação que as impede de aceder à educação, ao emprego e à cultura.
Na China e na Türkiye, minorias étnicas, como os uigures e os curdos, continuam a enfrentar perseguições intensas. O professor uigur Ilham Tohti cumpre prisão perpétua por defender os direitos da sua comunidade, enquanto o escritor curdo Yavuz Ekinci pode passar mais de sete anos atrás das grades sob acusações infundadas de terrorismo relacionadas ao seu romance Dream Divided, proibido no país.
Na América Latina, a repressão a escritores indígenas tem-se intensificado, com ameaças crescentes no México e no Canadá.
Censura e a guerra contra livros que desafiam o status quo
Uma das tendências mais inquietantes do relatório de 2025 é a escalada da censura e da proibição de livros. Obras que abordam violência sexual, questões LGBTQI e racismo estão a ser removidas de livrarias e bibliotecas em vários países.
Nos Estados Unidos, foram registados mais de 10.000 casos de proibição de livros durante o ano letivo de 2023-2024. Na Argentina, a censura mira cada vez mais obras escritas por mulheres. Na Hungria e na Federação Russa, livros com temáticas LGBTQI estão a ser retirados das prateleiras, enquanto editoras enfrentam multas e intimidação.
O apagamento de vozes marginais não se limita à literatura. Ele reflete uma estratégia orquestrada para suprimir qualquer discurso que questione a narrativa dominante e a hegemonia de grupos no poder.
Guerra, conflito e a eliminação de vozes dissidentes
Os escritores e jornalistas não são apenas perseguidos em tribunais ou silenciados por censura. Em zonas de guerra e conflito, eles tornam-se alvos diretos de regimes e forças opressoras que veem na palavra escrita uma ameaça ao seu domínio.
- Ucrânia: Desde a invasão em larga escala pela Federação Russa, em 2022, o país viu o seu património cultural ser deliberadamente atacado. A UNESCO documentou danos em 476 locais culturais. A jornalista Viktoria Roshchyna morreu sob custódia russa em Setembro de 2024, e as autoridades recusam-se a fornecer informações sobre sua morte.
- Palestina: O bombardeamento israelita em Gaza devastou instituições culturais e de mídia. A pesquisa da PEN International indica que mais de 45.000 palestinos foram mortos, incluindo 26 escritores. Escolas, universidades, bibliotecas e livrarias foram destruídas, privando gerações do acesso à educação e à cultura.
- Sudão e Etiópia: Os conflitos nestes países continuam a provocar assassinatos em massa, violência sexual e ataques sistemáticos à imprensa. O número de pedidos de assistência de jornalistas e escritores perseguidos aumentou drasticamente.
Ajuda de emergência: uma necessidade cada vez mais urgente
O relatório da PEN International não apenas documenta a repressão, mas também destaca os esforços para apoiar escritores em risco. Em 2024, a organização emitiu 87 subsídios de emergência – um aumento de 17% em relação a 2023 – para realocação, assistência médica e despesas de subsistência.
A maioria dos apoios destinou-se a escritores palestinos que fugiam de Gaza (13), seguidos pelos do Afeganistão (11), incluindo quatro escritoras que enfrentavam violência de género por parte dos talibãs, e de Mianmar (9).
Chamado à ação: resistir à censura e proteger os escritores perseguidos
Diante da escalada da repressão, a PEN International apresenta três recomendações urgentes à comunidade internacional:
- Pôr fim aos conflitos armados e proteger os civis e o património cultural.
- Defender escritores perseguidos e garantir a liberdade de expressão.
- Proteger o espaço cívico contra autoritarismo e censura.
A batalha pela liberdade de expressão não pode ser travada apenas nos tribunais e nas ruas. Ela deve ser uma luta de todos aqueles que acreditam que as palavras têm o poder de desafiar o opressor, preservar a memória e inspirar mudanças.
Caso destacado: Mahvash Sabet, símbolo da resistência literária
Neste ano, no Dia Mundial da Poesia, a PEN International traz à luz o caso de Mahvash Sabet, poetisa iraniana e membro da minoria Baha’i, que cumpre uma pena de 10 anos de prisão por acusações infundadas de espionagem ligadas às suas crenças religiosas.
Sabet, que continuou a escrever poesia mesmo encarcerada, representa a luta de inúmeros escritores que regimes autoritários tentam silenciar. A PEN International insta a comunidade global a exigir a sua libertação imediata e incondicional.
A literatura não será silenciada
Enquanto governos autoritários tentam apagar vozes dissidentes e reprimir a liberdade de expressão, a resistência continua. Escritores, jornalistas e intelectuais não podem ser reduzidos ao silêncio. A censura pode arrancar páginas, mas jamais poderá erradicar ideias.