Opinião
Interpretação psicológica do suicídio – Basílio Macaringue

Antes de muito escrever, convém sublinhar que falar sobre suicídio é um dos grandes desafios que o psicólogo enfrenta no exercício dessa profissão, devido ao facto de o tema estar associado a morte e, por conseguinte, geralmente gera desconforto nos leitores e/ou no auditório. Todavia, urge destacar que não tratar do assunto não atenua, não minimiza, não ajuda na prevenção e, pelo contrário, encuba o fenómeno.
Suicídio é o acto de tirar voluntariamente a sua própria vida usando um líquido tóxico, uma corda, uma arma branca ou de fogo, etc. Nas sociedades tradicionalistas acredita-se que falar sobre suicídio estimula a sua prática, e é considerado um fenómeno transmissível no seio da família.
Nas sociedades mais evoluídas acredita-se que difundir informações relacionadas ao suicídio oferece aos indivíduos ferramentas necessárias para a sua prevenção, na medida em que garante o aumento da consciência dos leitores ou do auditório sobre o tópico, seus sinais de alerta e relevância do apoio social.
De acordo com o sociólogo Émile Durkheim, a prevalência do índice de suicídio não pode ser explicada pela existência de uma patologia do fórum psicológico ou pelo comprometimento do estado mental do indivíduo, mas sim a partir da análise dos fenómenos sociais que o circundam, os quais servem de gatilho emocional para a prática do suicídio.
Assim, para Durkheim o cometimento do suicídio é motivado por uma relação disfuncional do indivíduo com (pelo menos) um grupo social no qual ele se movimenta e age activamente (ambiente de trabalho, escolar, familiar, da igreja, dos grupos de pares, etc.). Em outras palavras, para o autor, o indivíduo é eminentemente passivo até ser estimulado pelo ambiente que o rodeia. É uma teoria baseada em cosmovisão mecanicista.
A Psicologia apoia-se em uma cosmovisão organicista, enquanto defende que o indivíduo é eminentemente activo e as suas acções são reguladas a partir da interacção conjunta entre a sua maturação psicológica e as circunstâncias nas quais ele se encontra inserido nelas.
Ainda segundo a Psicologia, o suicídio em si não é um acto com componente hereditário. Pelo contrário, o acto suicida muitas vezes deixa marcas históricas no seio da família, de tal forma que um ou mais membros podem repeti-la um dia.
Uma pessoa que pensa em cometer o suicídio ou que tenta o praticar, sofre certamente de algum problema psicológico associado à cognição (imaginação, pensamento, memoria, linguagem, etc.), impedindo-o de ver as alternativas disponíveis e levando-o a ver a sua vida de forma afunilada e sem projecção possível a curto e/ou médio prazos.
Importa salientar que o sofrimento psicológico pode vir a se tornar insuportável quando o indivíduo não o consegue solucionar pessoalmente, quando não consegue ter apoio social necessário para o enfrentar positivamente, assim como quando não se orienta segundo a cultura de resiliência. No entanto, quando a pessoa não encontra formas de diminuir ou compreender esse sofrimento psicológico, a prática do suicídio lhe parece ser a melhor.
As principais crises psicológicas com potencial para levar o indivíduo a pensar na prática do suicídio estão associadas às relações disfuncionais no ambiente familiar, desilusões amorosas, desemprego, consumo abusivo de bebidas alcoólicas e outras drogas, expectativas altas insatisfeitas (no ambiente escolar ou de trabalho), a descoberta de uma doença terminal, a falta de uma rede de apoio social efectiva, a rejeição e discriminação baseadas na orientação sexual, na classe social, no nível de instrução, na religião, etc.
Topologicamente, o suicídio pode ser egoísta, altruísta, anónimo ou fatalista. O primeiro tipo acontece sob condições de isolamento excessivo do indivíduo; o segundo acontece sob condições de apego excessivo, quando o indivíduo se identifica com um grupo para o qual a sua vida não tem algum valor independente; o terceiro acontece nas condições de anonimato, quando os valores sociais entram em declínio, gerando desordem social e desorganização; e, por último, o quarto acontece em grupos sociais nos quais ocorre um alto grau de controlo sobre as emoções e necessidades básicas dos membros.
Diante situações de tentativa de praticar o suicídio, o psicólogo tem como papel realizar uma pesquisa semiológica (diagnóstico clínico) e, sobretudo, do funcionamento psíquico do indivíduo. O foco principal nessa intervenção são os sistemas sociais nos quais o indivíduo se movimenta, o fortalecimento do auto-conceito, da auto-imagem, da auto-aceitação, da auto-estima, da independência emocional e da cultura de resiliência.
De forma particular, os indivíduos que já tenham tentado praticar o suicídio ou que já pensaram na possibilidade de tentar, podem adoptar seguintes medidas para contornar a possível reincidência: evitar passar muito tempo num ambiente isolado, identificar novos hábitos saudáveis (manter conversas com pessoas do seu agrado e sobre temas que não lhe incomodam, exercitar leitura, escutar música, assistir filmes e telenovelas, reservar tempo de relaxamento, praticar regularmente exercícios físicos, manter pensamentos positivos, etc.), alimentar-se adequadamente, evitar o uso excessivo das redes sociais, partilhar com alguém de confiança o que lhe aflige, entre outras.
