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CAPA

MOÇAMBIQUE SOB O EFEITO DE NARCÓTICOS: UMA ANÁLISE PROFUNDA DO CRESCENTE CONSUMO DE DROGAS

Moçambique enfrenta um aumento alarmante no consumo de estupefacientes, transformando-se, de modo paulatino, mas certeiro, de mero corredor de tráfico para verdadeiro mercado consumidor. Este fenómeno — que já não se resume ao fluxo transfronteiriço de substâncias ilícitas — representa uma séria ameaça à saúde pública, à segurança nacional e à coesão social das comunidades moçambicanas.

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enfrenta um aumento alarmante no consumo de estupefacientes, transformando-se, de modo paulatino, mas certeiro, de mero corredor de tráfico para verdadeiro mercado consumidor. Este fenómeno — que já não se resume ao fluxo transfronteiriço de substâncias ilícitas — representa uma séria ameaça à saúde pública, à nacional e à coesão social das comunidades moçambicanas.

Segundo dados oficiais, em 2024, mais de 20 mil pessoas foram atendidas em unidades sanitárias do país em virtude do uso de substâncias psicoactivas, representando um incremento de mais de 17% face aos 17 mil casos registados no ano anterior. Trata-se de um sinal inequívoco de que o consumo local deixa de ser apenas resquício do tráfico, tornando-se fenómeno social enraizado e disseminado.

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Historicamente, Moçambique figurava como passagem estratégica para o tráfico internacional de drogas, servindo os interesses de redes que operavam em direcção à Europa e à Ásia. Contudo, relatórios recentes apontam para uma alteração preocupante desta dinâmica: o país está, hoje, a consolidar-se como mercado interno de consumo.

Em 2024, foram apreendidas mais de três toneladas de drogas e detidos 923 indivíduos ligados à sua comercialização. Estes números não só demonstram o fortalecimento das operações de combate por parte das autoridades, como também revelam a crescente procura interna por substâncias entorpecentes, nomeadamente a “soruma”, heroína e misturas letais conhecidas como “zombo”.

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É, no entanto, no seio das instituições de ensino que desponta uma das faces mais sombrias desta crise. Três docentes de secundárias, afectos aos distritos municipais de KaMubukwane e Lhamanculo, partilharam, sob condição de anonimato, denúncias que confirmam a infiltração de redes de recrutamento de menores para o consumo de drogas no interior dos recintos escolares.

Uma das professoras, visivelmente indignada, revelou a existência de grupos organizados que operam nos intervalos e após as aulas, com alvos muito bem definidos: adolescentes entre os 12 e 14 anos. Esses grupos actuam com uma frieza alarmante, explorando fragilidades emocionais, contextos familiares vulneráveis e o desejo juvenil de pertença a um grupo.

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“O mais preocupante é que os recrutadores são conhecidos pelos alunos. Há um indivíduo, com cerca de 22 anos, que distribui gratuitamente dispositivos chamados UCA – pequenas engenhocas electrónicas que, à primeira vista, parecem brinquedos ou ferramentas de diversão, mas que produzem um cocktail de substâncias psicotrópicas. A composição dessas misturas é desconhecida, mas os efeitos são devastadores. Já tivemos alunos que desmaiaram no pátio da escola”, explicou o docente do sexo masculino.

Estas UCAs funcionam como armadilhas modernas: disfarçadas de objectos tecnológicos, ganham a confiança dos jovens e injectam no seu organismo combinações químicas potencialmente fatais. Segundo outra professora entrevistada, a ausência de informação nas famílias e o fraco policiamento nos arredores das escolas acentuam o problema: “Os pais não sabem o que os filhos estão a consumir. A polícia aparece só quando já há uma . Estamos a perder gerações inteiras para as drogas.”

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Na cidade da Beira, estima-se que mais de cinco mil pessoas estejam actualmente dependentes do “zombo”, provocando danos irreversíveis na saúde mental e física, elevando os índices de criminalidade juvenil e contribuindo para o insucesso escolar. Em , foram registadas mais de duas mil internações hospitalares, atribuídas directamente ao uso de drogas, pressionando um já fragilizado.

Em , o lançamento da Unidade de Apoio às Pessoas em Tratamento Opiáceo no Hospital Geral de Mavalane foi saudado como um avanço. Com capacidade para atender cerca de dois mil utentes, a unidade já opera além do seu limite, evidenciando a urgência de expandir semelhantes para outras províncias.

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O problema não reside apenas no tráfico, mas também na falência das instituições educativas, na ausência de políticas de protecção de menores e na fragilidade das redes comunitárias. Com a Lei nº 3/1997 a necessitar de revisão, urge repensar o modelo repressivo vigente, adoptando estratégias que incluam medidas de redução de danos, alternativas à reclusão penal e apoio psicológico às famílias dos dependentes.

É fundamental, ainda, reforçar o papel das escolas não apenas como centros de ensino, mas como espaços de protecção. O envolvimento de psicólogos escolares, activistas comunitários e conselhos pedagógicos é imperioso para detectar precocemente comportamentos desviantes e acionar mecanismos de contenção.

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A deriva para um cenário de banalização do consumo de drogas entre menores de idade exige uma acção concertada do , da sociedade civil e das comunidades locais. A questão deixou de ser apenas de saúde pública: é uma emergência nacional com implicações profundas no do país.

Num contexto em que os próprios professores denunciam redes operando dentro das escolas, é urgente resgatar a autoridade pedagógica, promover campanhas massivas de sensibilização e estabelecer mecanismos permanentes de vigilância e denúncia. Sem acções corajosas, estaremos a assistir, em silêncio cúmplice, à erosão moral e social da juventude moçambicana.

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