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Quando o amor não acaba….
“O amor acaba”, texto acerca de inusitados modos como findam os relacionamentos, é uma das mais líricas crônicas de Paulo Mendes Campos.
Acaba! Sem vírgula nem tampouco reticências. Apenas ponto-final. Talvez, exclamação! “Numa esquina, por exemplo…”, “mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia [em outro]”, enfim, “por qualquer motivo”.
Inclusive, “às vezes, o amor acaba como se fosse melhor nunca ter existido”, assevera o autor – e corrobora a vida. Amor que, como um alucinógeno, depois de despertar euforia, elevar às nuvens, inversamente, derruba nas profundezas da depressão, sintetizo (modestamente) eu.
Creio que o amor faz residência numa das linhas tênues do cérebro humano; daquelas em que no lugar de uma muralha chinesa, há, também, um risco feito a graveto, no chão de terra, suscetível à primeira chuva… Como um pontilhado de fortaleza e de fraqueza, ora resistindo às intempéries, ora cedendo às mais tênues brisas.
O amor – sabe quem padeceu (e quem nunca?) – pode ser rochedo ricocheteado pelas violentas ondas do oceano, um dia, mas, muitos sóis depois, apenas a areia fina esvaindo pelas mãos trêmulas de quem perde o rumo da vida: o ponto firme para se salvar do naufrágio, em um momento, vira bote furado a afundar e, por conseguinte, o afogamento de quem não sabe ou não tem motivos para nadar, em outro.
Mas “às vezes [o amor] não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa”, lembra, ainda, Paulo Mendes Campos. Ou, ainda, como poetiza Ni Brisant em seu singelo Se eu tivesse meu próprio dicionário:
“DIVÓRCIO: separação
quando duas pessoas guardam o amor tão bem guardado [mas tão bem] que até esquecem!”
Outras vezes, ainda, o amor não acaba nem tampouco é abandonado.
Domingo passado, no Cemitério Paz Celeste, em Taboão da Serra, despedia-me de Tia Lucy, uma senhora de 67 anos, mas ingênua como uma criança de seis anos, quando deparo com um conhecido: Roberto, meu ex-vizinho, que andarilhava pelo local, com um semblante sereno.
Na verdade, foi Roberto que notou a mim e a meu amigo Sérgio, parceiro de todas as (boas e as más) horas, que solidarizava com a família a perda irreparável que nos afetava naquela cinzenta manhã dominical.
Ao cumprimentá-lo, indaguei-lhe se fora um velório que o conduzira até ali. Esperava, com certa angústia, mais uma nota de falecimento de, no mínimo, uma pessoa querida do rapaz, quiçá, alguém de meu convívio… Enfim, de mais um motivo para a chuva tornar ainda mais fúnebre a ocasião.
A resposta de Roberto, entretanto, me embaraçou e, ao mesmo tempo, encantou. Trajado com roupa de missa, viera o homem buscar paz e reconforto, em sua companheira perene; aquela que, mesmo em outro plano, ainda presentificava seu coração.
Há dois anos, no mês dos namorados, a pandemia lhe havia tirado dos braços a mulher a que, um dia, Roberto dissera: “na alegria e na tristeza; na saúde e na doença, e prometo amar-te e respeitar-te todos os dias da minha vida”. Até porque Roberto tem o dom da vida: enquanto dela gozar, não vai o amor parar!
Nem o destino, traçado no mitológico tear das Moiras, foi capaz de apartar Roberto do amor de sua vida. Quinzenalmente, – às vezes, dominicalmente -, o homem (esposo, pai e avô) troca o gramado da várzea, uma paixão de infância, pela grama das lápides, seu amor eterno, deixando o EC Esperança na mão, esperançando preencher o coração!
Não sei se, de fato, o homem cujo amor é maior do que a morte, conhece o famoso soneto de Camões acerca do sujeito poético que clama, passionalmente, à falecida amada, para que, por intercessão dela, Deus o leve para perto daquela por quem ele derrama seu pranto.
Todavia, duvido que o poeta português tenha amado mais a Dinamene do que Roberto à Paula!
Na incapacidade de dizer a Roberto o quanto sua história sensibiliza, comove, oferto-lhe humildemente os versos que eu gostaria de ter escrito, mas o poeta luso, 463 anos atrás compôs (em português) em meu lugar: (um dos poucos poemas que conheço de cor):
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;
Roga a Deus que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
(Luiz de Camões, 1560)