Maputo, 29 de Junho — O programa Resenha Semanal, da TV Miramar, dedicou a sua edição deste Domingo à análise dos 50 anos da Independência de Moçambique, com particular enfoque na iniciativa da “Tocha da Chama da Unidade Nacional”. O debate contou com a participação de Domingos Gundana, Francisco Mussa e Ernesto Jr., que apresentaram visões distintas e complementares sobre o sucesso e o significado desta celebração no contexto actual do país.
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A Tocha da Unidade: Sucesso ou Falha?
A “Tocha da Chama da Unidade Nacional”, que visava simbolizar e promover a união dos moçambicanos, de Rovuma a Maputo, gerou um intenso debate sobre a sua eficácia.
Domingos Gundana classificou a iniciativa como uma “ausência de sucesso total”. Segundo ele, se o objectivo era unir os moçambicanos após um “processo pós-eleitoral conturbado”, isso não foi alcançado. Gundana argumentou que as eleições de 2023 “não foram justas nem transparentes” e que o partido no poder “retirou o poder do voto ao cidadão”, negando o direito à transformação democrática. Recordou as marchas, manifestações, agressões, detenções e o uso de gás lacrimogéneo contra cidadãos que exigiam o respeito pelo seu voto. Para ele, as eleições gerais foram um “hecatombe total”, resultando num partido com maioria absoluta na Assembleia da República sem ter sido votado, num processo conduzido por “gestores ou árbitros eleitorais”.
De acordo com Gundana, tal cenário “dividiu o cidadão” e provocou uma crise que resultou na morte de “meio milhão de pessoas” entre forças de defesa, segurança e civis. Afirmou ainda que a “confusão e o ódio, semeados pelo estado criado pelo partido no poder” deram origem a um governo “desconectado da realidade do cidadão”, o que não promoveu a unidade nacional. Segundo ele, o verdadeiro caminho para a união exige o “reconhecimento e a humildade do partido no poder perante o cidadão — saber reconhecer quando se perde e quando se ganha, justamente”.
Criticou também o lançamento de iniciativas de unidade nacional por um presidente que, segundo ele, está no poder por decisão do “Conselho Constitucional e não pelo voto na urna”. Para Gundana, “tudo quanto for iniciativa do partido no poder não terá sucesso nem adesão popular, porque os cidadãos não acreditam na sua legitimidade”.
Além disso, mostrou-se preocupado com os gastos de “mais de 30 e tal milhões de meticais” com a tocha, num país que ainda enfrenta dificuldades para pagar salários e horas extras a professores e médicos. Considerou o investimento um “erro de cálculo” e questionou a moralidade de se celebrar o 25 de Junho “num contexto de infelicidade”, marcado por “mortes, luto, viúvas, órfãos e mutilações decorrentes de processos eleitorais mal conduzidos”. Para ele, a reconciliação deve preceder qualquer celebração, e exige “humildade total”.
Francisco Mussa, por outro lado, embora tenha reconhecido a “abstenção de alguns moçambicanos às causas nacionais” e as “dificuldades encontradas” na mobilização para o Estádio da Machava, defendeu que se deve encarar o problema como um “ponto de melhoria”. Reiterou que a tocha simboliza a união nacional e que “todos devem sentir isso no coração”. Salientou ainda que o partido no poder deve “servir ao povo”, e que este deve “rever-se na governação”, afirmando que “a Frelimo é o povo — não existe o partido Frelimo sem o povo”.
Mussa frisou que a mobilização da tocha foi organizada pelo “Estado moçambicano”, e não pela Frelimo, e que os moçambicanos devem vê-la como um “programa estatal destinado a unir o país”. Admitiu, no entanto, que “a mensagem pode não ter sido transmitida de forma eficaz” e que factores como a “falta de emprego” e a “frustração juvenil” podem ter influenciado a fraca adesão.
Ernesto Jr. trouxe à discussão uma análise do patriotismo, distinguindo dois tipos que explicam os diferentes níveis de adesão à tocha:
- Patriotismo Geral ou Histórico: Refere-se ao sentimento de amor à pátria associado a elementos culturais, históricos e linguísticos. É mais prevalente entre a geração que viveu a independência em 1975, para a qual o simbolismo da tocha é significativo e válido.
- Patriotismo Constitucional: Está ligado aos “valores democráticos, ao estado de direito, ao respeito pelos direitos fundamentais e à igualdade de oportunidades”. É predominante entre os jovens, que muitas vezes “não sentem um forte sentimento de pertença” por não verem satisfeitas as suas expectativas de igualdade, emprego e habitação. Para Ernesto Jr., a juventude tem uma exigência maior em relação ao Estado, e este precisa “readaptar-se a essa nova juventude” para iniciativas como a tocha serem bem-sucedidas.
Desafios e Perspectivas para o Futuro
A discussão no Resenha Semanal evidenciou a complexidade de se celebrar a independência e promover a unidade nacional num país marcado por feridas políticas ainda abertas. Enquanto Francisco Mussa considera a fraca adesão um “ponto de melhoria” para a criação de estratégias futuras de mobilização nacional, Domingos Gundana insiste que a unidade só será possível mediante o reconhecimento de erros e maior humildade por parte do partido no poder. Já Ernesto Jr. defende que o Estado deve alinhar-se às exigências da juventude, promovendo políticas públicas inclusivas que sustentem o patriotismo constitucional.
A tocha da unidade nacional, embora simbólica para muitos, revelou-se um espelho das profundas divisões sociais e políticas que o país ainda enfrenta. Para que a união seja mais do que um ideal simbólico, é necessário promover uma reconciliação genuína e responder de forma concreta às necessidades da população.