Um dos mais importantes e prestigiados realizadores de Portugal, Rodrigo Areias, estará na 46.ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo como um dos jurados. E não vem só – os documentários que produziu, “Kinorama” (Edgar Pêra), “Objectos de Luz” (Acácio de Almeida e Marie Carré) e “Distopia” (Tiago Afonso), estarão colocando o sotaque português na programação do festival, dentro do conteúdo não-competitivo.
Por Joacles Costa
Para Areias, da produtora Bando à Parte, é sempre importante estar no Brasil e fazer parte do evento – desta vez conseguiu participar como jurado, já que em outras oportunidades seus filmes estavam participando da mostra competitiva do festival. “É sempre um grande orgulho e prazer estar na Mostra de São Paulo. Não só enquanto diretor – os meus oito longas estiveram presentes, primeiro em competição, e depois como diretor convidado a apresentar os filmes -, mas também como produtor, já que temos filmes convidados todos os anos. É para nós um festival muito importante, não só porque é a nossa entrada privilegiada no mercado brasileiro de distribuição cinematográfica, mas também dada a relação entre Portugal e Brasil, e a forte cooperação e coprodução entre os dois países. Coprodução que tem estado interrompida face às alterações de política cultural no passado recente no Brasil, mas que acredito que mudará em breve. E como tal, estarei sempre interessado em continuar a coproduzir com o Brasil”, diz.
Como produtor e diretor tem ao longo da carreira mais de 25 filmes, entre documentários e ficção. Um dos aclamados filmes do ano passado, “Listen”, longa de drama dirigido por Ana Rita Rocha e produzido pela Bando à Parte, foi vencedor de quatro prémios na 77.ª edição do Festival de Veneza (2020) – o filme venceu o prémio ‘Leão de Futuro’.
Sobre o momento atual, Areias está debruçado nos projetos da sua produtora, a Bando à Parte, inclusive com produção e coprodução com o Brasil. “Estamos trabalhando no filme ´Cinco da Tarde´, de Eduardo Nunes, um grande amigo e um grande cineasta Brasileiro. Os meus 9º e 10º longas como diretor estão em pós-produção neste momento e irão estrear no próximo ano, são “O Pior Homem de Londres”, produzido por Paulo Branco, e “A Pedra Sonha dar Flor”, a partir da obra de Raul Brandão. Iremos ainda estrear os novos filmes de Edgar Pêra e Artur Serra Araújo, e estamos a produzir os novos filmes de Latifa Said, Angelo Torres, Jorge Quintela, Lois Patiño e Matias Piñeiro”.
Sobre a Mostra SP de 2022, Areias faz um apanhado dos filmes que estarão na programação não-competitiva sob sua produção:
– “Objectos de Luz de Acácio de Almeida e Marie Carré, filme que estreou na seleção oficial de Locarno, É um filme que parte da nossa relação com a luz, do ponto de vista físico, mas também filosófico, a partir do ponto de vista do mítico diretor de fotografia (já com 84 anos) do cinema português”.
– “Distopia, de Tiago Afonso, é um documentário sobre a gentrificação da cidade do Porto, que venceu os dois maiores festivais de cinema documental em Portugal, o DocLisboa e o Porto/Post/Doc, e que parte de dois momentos de rodagem separados por 13 anos, desde o despejo de um bairro de ciganos no Porto até à sua recolocação num bairro social”.
– “Kinorama – Beyond the walls of the real é uma nova incursão 3D de Edgar Pêra, que estreou no festival de Roterdã, e é um filme dissertação sobre o cinema. Na senda do seu mítico documentário O Espectador Espantado, também estreado na Mostra”.
“Distopia” (2021), de Tiago Afonso, que traz a música “Despejo na Favela” de Adoniran Barbosa, é um documentário que mostra as transformações urbanísticas de 2007 a 2020, e têm vindo a mutilar a cidade do Porto: no Bacelo, o acampamento cigano é substituído por uma pousada e uma marina, ambas de luxo; no Aleixo, as torres destinadas a habitação económica são demolidas a pretexto de higienização dum bastião do tráfico de droga e o bairro devastado encontra-se agora pronto a acolher faraónicos projetos arquitetônicos; nas Fontainhas, a Feira da Vandoma ali instalada há décadas e frequentada por vendedores e compradores de baixo poder económico, é escorraçada para a periferia.
Duração: 61min e 6 segundos / Realização: Tiago Afonso / Montagem: Tiago Afonso / Produção: Tiago Afonso, Rodrigo Areias / Som: João Alves, Nuno Malheiro, Teresa Pinto, Ricardo Pereira / Pós-Produção de Imagem: Carlos Amaral / Pós-Produção de Som: Pedro Marinho
O documentário “Kinorama – Cinema fora de órbita” (2022), de Edgard Pêr, é uma verdadeira revelação para os interessados no que significa ser espectador, “Kinorama” é também um filme autorreflexivo, combinando imagens e áudios de filmes de ficção passados e futuros com conversas com pesquisadores de diversas áreas. O filme oferece uma maneira de refletir sobre a relação da Arte com o Real e aponta para novos rumos para o cinema. Edgar Pêra é cineasta e artista plástico. Pêra estudou Psicologia, mas mudou para o Cinema no Conservatório Nacional Português.
Duração: 62min / Realização: Edgar Pêra / Produção: Rodrigo Areias- Bando à Parte / Concepção, Câmera e montagem: Edgar Pêra / Edição: Cláudio Vasques / Música & Desenho de Som: Artur Cyaneto / Mixagem: Vasco Carvalho
Para assistir: https://vimeo.com/515680920
senha: kinorama23
“Objectos de Luz” (2022) marca a estreia de Acácio de Almeida (86 anos), e também da sua companheira de várias décadas Marie Carré, na direção. A sinopse desta ficção diz que “o gesto de transmissão por parte da Personagem Homem da luz não será tanto uma comunicação de conhecimento enquanto assunto e finalidade, mas sim, enquanto descoberta de um elo a algo muito maior: a interrogação sobre a transcendência da luz e a meditação sobre nós como seres limitados mas infinitamente ligados ao mistério da luz. Seremos seres de luz?”
Duração: 67min / Realização: Marie Carré, Acácio de Almeida / Produção Rodrigo Areias
Para assistir: https://vimeo.com/678125278
senha: OBJECTOS_BAP_2022
Sobre Rodrigo Areias
Licenciado em Som e Imagem pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, possui ainda um curso de especialização em Realização Cinematográfica da Tisch School of Arts da Universidade de Nova Iorque e o programa de produção Eurodoc. Desenvolveu atividade de formador nos workshops promovidos pela associação Filhos de Lumière.
Tem desenvolvido ao longo da sua carreira, trabalhos criativos na área de cinema de autor em ficção e documentário, alternando com outros trabalhos em domínios de videoarte e vídeoclips para alguns dos melhores nomes da cena rock Portuguesa (The Legendary Tiger Man, Wray Gunn, Mão Morta, Sean Riley, D3o, etc.) e diversos outros projetos. Como produtor começou a sua carreira em 2001 e desde então produziu e coproduziu mais de 70 curtas, longas, vídeos e documentários. Produziu autores de renome como Edgar Pêra, João Canijo e F. J. Ossang, bem como jovens realizadores como André Gil Mata, João Rodrigues e Jorge Quintela.
Confira a Entrevista:
Quando percebeu que o cinema faria parte da sua vida?
Rodrigo Areias: Acho que me apercebi que poderia seguir esse sonho após concretizar um outro sonho, que foi o de ser músico profissional muito cedo na vida. Isso me ajudou a perceber que os sonhos que poderiam parecer incansáveis para um jovem de Guimarães, eram afinal alcançáveis. E então decidi concentrar-me no cinema, e trocar de curso na Universidade e estudar cinema. Mas desde cedo que aquilo que eu queria fazer estava relacionado com o cinema.
Como você se vê aos 44 anos e já dono de uma grandiosa produção audiovisual?
Rodrigo Areias: A precisar de me reformar. Acho que a intensidade com que produzimos tem muito que ver também com o tipo de cinema que produzimos. Sinto a necessidade de ajudar pessoas a alcançarem os seus sonhos. Na verdade, eu produzo pessoas e não filmes. É verdade que produzo muitas coisas, não só em cinema, música e em artes plásticas, me relaciono com muitos escritores também. Tem tudo que ver com a necessidade de criar ligações entre pessoas e tentar potencial o que essas pessoas podem fazer de melhor. No fundo eu sou um facilitador mais do que um produtor.
Você tem parceiros brasileiros em suas produções. Como isso começou?
Rodrigo Areias: A minha relação próxima com o cinema Brasileiro começou com o Festival de Cinema Luso-Brasileiro, onde participei no ano 2000 e depois trabalhei durante vários anos a fazer pré-seleção e durante o Festival criei muitas e fortes amizades com muitos realizadores brasileiros que vieram ao festival ao longo desses anos. Depois, é uma relação natural entre o cinema português e brasileiro, e que me interessa sempre estimular. Neste momento, os meus amigos Brasileiros estão a precisar de ajuda face ao desinvestimento na cultura em geral e no cinema em particular que o Brasil está a viver. E nesse sentido tento ajudar dentro das minhas possibilidades. Neste momento estou a co-produzir e co-financiar o filme Cinco da Tarde de Eduardo Nunes, um grande cineasta, grande amigo e que estava a precisar de ajuda e nesse sentido participo na produção do seu filme com todo o orgulho e empenho.
Na sua opinião, Portugal e Brasil têm muito mais a oferecer ao cinema quando trabalham juntos? E por que?
Rodrigo Areias: Há naturalmente projetos que são co-produções entre Portugal e Brasil e histórias da relação destas duas culturas que estão umbilicalmente ligadas, que serão co-produções naturais. Outras podem não ter esta relação cultural e nesse sentido são co-produções que surgem de outra natureza, de apoio, ou financeiras apenas. Mas acho que o estímulo que existiu durante muitos anos de co-produção cinematográfica entre Portugal e Brasil deveria ser retomado quanto antes. Por certo, se o Brasil mudar nestas eleições, esse caminho de aproximação retomará e teremos muito mais histórias para contar juntos.
Como é conciliar o trabalho e a família?
Rodrigo Areias: Quando a intensidade de trabalho é alucinante, é difícil conciliar. Mas eu tento passar o mais tempo possível com os meus filhos, por isso levo-os para as filmagens e faço-os trabalhar em cinema desde cedo… a minha mulher também trabalha em cinema, então tem momentos em que estamos fora durante uns dois meses numa rodagem, e é complicado conciliar. Mas toda a família ajuda, entre a familia da minha mulher, meus irmãos, todo o mundo ajuda. Somos uma familia unida e divertida, assim é mais fácil.
Fazendo uma autocrítica, qual seria o diferencial do seu trabalho como diretor?
Não sei responder a essa pergunta. Sei que faço muitos filmes e de géneros diferentes, e que quero experimentar muitas outras coisas no cinema. A verdade é que o cinema é uma arte que demora tempo: demora tempo para financiar, demora tempo para preparar, demora tempo para filmar, demora tempo para montar e terminar um filme, e eu sinto que não posso esperar todo esse tempo e então tenho sempre vários projetos a correr em simultâneo… e talvez por isso precise produzir muitos filmes, pois sei que não conseguirei nunca dirigir os filmes todos que quero dirigir.
Rodrigo Tem coproduzido com o Brasil, Reino Unido, França, Alemanha e Finlândia. Como realizador, entre vários filmes destacam-se “Tebas” (longa-metragem) e “Corrente” (curta-metragem), com os quais esteve representado em mais de cinquenta festivais internacionais e foi premiado com uma dezena de prémios. O segundo longa-metragem estreou em Competição Oficial no Festival Internacional de Karlovy Vary e foi premiado com uma Menção Especial. Foi responsável pela produção de cinema de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura onde se incluem filmes de realizadores como Jean-Luc Godard, Aki Kaurismaki, Peter Greenaway, Manoel de Oliveira, Pedro Costa e Victor Erice.
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