“Um povo que ainda vende a sua liberdade”
Maputo, 1 de Outubro de 2025 — Nas ruas da capital e da Matola, as vozes misturam-se entre o orgulho das conquistas alcançadas e a frustração pelas promessas ainda por cumprir. Passadas décadas desde a proclamação da independência, os moçambicanos celebram o Dia da Independência, mas não escondem as dúvidas: será o país realmente livre?
Liberdade Formal, Dependência Real
A narrativa oficial evoca os sacrifícios de gerações que lutaram contra o colonialismo, mas, para muitos cidadãos, a independência ainda não se traduz em bem-estar social.
Arlindo, munícipe ouvido pela reportagem, foi peremptório:
“Moçambique não alcançou ainda a independência plena. O povo, por necessidade, vende muitas vezes a sua liberdade.”
Os argumentos são claros: energia cara, transportes colectivos sobrelotados e combustível cada vez mais inacessível. Situações que fazem com que a sobrevivência diária continue a ser a prioridade, relegando a celebração da liberdade para um segundo plano.
Na Matola, David Salomão Cumbane reforça:
“Um aluno não pode ir à escola sem o mínimo necessário. A independência só será real quando as famílias tiverem condições de sustentar a educação e a saúde dos seus filhos.”
A Economia no Centro da Crítica
As dificuldades económicas são o denominador comum entre os entrevistados. Muitos descrevem a actual conjuntura como uma independência incompleta, limitada por dívidas externas, inflação e dependência de apoios internacionais.
“A independência não pode ser apenas política. Ela deve ser económica. Enquanto precisarmos de pedir empréstimos para garantir serviços básicos, ainda estamos presos a correntes invisíveis,” comentou um jovem estudante, preferindo anonimato.
A precariedade do emprego formal, a estagnação de salários e o aumento do custo de vida são vistos como sinais de uma autonomia frágil, que obriga o cidadão comum a sacrifícios constantes.
Cabo Delgado: Ferida Aberta da Nação
Se a economia já fragiliza a percepção de liberdade, a guerra em Cabo Delgado intensifica a sensação de vulnerabilidade. Caetano Militão, outro munícipe ouvido, descreveu a situação como uma “insurgência sem rosto”, que continua a ceifar vidas e a destruir famílias.
A insegurança no Norte torna-se, assim, um lembrete de que a soberania territorial ainda não está plenamente garantida. Arlindo acrescentou que até os militares destacados sofrem: “Muitos membros das Forças de Defesa morrem sem sequer verem os seus salários pagos, deixando famílias mergulhadas no sofrimento.”
Este sentimento de injustiça mina a confiança no Estado e amplia as críticas sobre a gestão governamental do conflito.
Cidadãos Exigem Respostas Concretas
Entre queixas e desabafos, emergem também propostas. Os munícipes não se limitam a reclamar: apelam a medidas específicas que traduzam a independência em dignidade.
- Pensões para idosos, de forma a reconhecer quem já deu a sua força ao país.
- Assistência a órfãos, incluindo uniformes e material escolar.
- Fornecimento de água potável, sobretudo em bairros periféricos como Gumbani.
- Resolução firme da insurgência, com mecanismos de segurança mais eficazes.
“Não queremos discursos. Queremos soluções que toquem a vida real das pessoas,” concluiu David Salomão.
Independência: Festa ou Reflexão?
O 1.º de Outubro continua a ser celebrado com desfiles, bandeiras erguidas e discursos oficiais. Contudo, para muitos, a data é mais uma oportunidade de reflexão do que de festa.
A independência formal foi conquistada, mas a independência plena — económica, social e psicológica — permanece como horizonte distante.
“Enquanto um povo tiver de escolher entre a liberdade e a sobrevivência, não podemos falar de independência completa,” sintetizou um académico ouvido pela reportagem.