Nascida em Chibuto, província de Gaza, e com uma carreira sólida na área de Gestão de Empresas, Charzade Daiá Araújo, de 46 anos, poderia ter permanecido no conforto de cargos executivos. Mas foi na dor silenciosa da juventude sem propósito e nas lacunas emocionais entre pais e filhos que encontrou a verdadeira missão da sua vida: transformar adolescentes e famílias, promovendo reconexão, inteligência emocional e sentido de vida.
Após 18 anos como gestora financeira em multinacionais, Charzade decidiu ousada em 2018: pediu demissão e abraçou o propósito de ser mentora de jovens e famílias, após vivenciar de perto o desespero de centenas de recém-formados incapazes de encontrar espaço no mercado de trabalho. “A maioria não estava preparada para a vida, não sabia o que queria, era insegura e sem propósito”.
Charzade mergulhou em estudos, certificações e formações nacionais e internacionais com um único foco: ajudar os jovens a desenvolverem competências comportamentais cada vez mais exigidas pelas empresas, mas raramente ensinadas nas escolas ou nas famílias.

Hoje, conduz um processo de mentoria estruturado que actua em quatro pilares: autoconhecimento, desenvolvimento pessoal, inteligência emocional e orientação vocacional. “É fácil ensinar habilidades técnicas, mas muito difícil desenvolver competências emocionais. E é aí que concentro o meu trabalho”, explica.
O ponto de partida do seu método é uma profunda conversa com os pais e um diagnóstico comportamental, que ela chama de “Raio-x Familiar”. A seguir, durante cinco meses, adolescentes participam de sessões que combinam reflexões profundas, leitura de 18 livros, testes científicos e exercícios práticos. Os resultados são surpreendentes: “Eles saem mais focados, comunicativos, seguros e felizes.”
Charzade destaca a inteligência emocional como eixo central do desenvolvimento juvenil. “Saber reconhecer, regular e expressar emoções ajuda os jovens a tomar decisões conscientes, resolver conflitos, liderar e se autorresponsabilizar.”
No campo da orientação vocacional, Charzade vai além dos tradicionais testes psicotécnicos: “É preciso primeiro trabalhar o autoconhecimento e a cura de traumas como bullying ou amizades abusivas. Só assim é possível uma escolha vocacional autêntica.”
Grande parte dos conflitos entre pais e filhos, segundo Charzade, deve-se à ausência de escuta e tempo de qualidade. “Os pais estão sempre a corrigir, mas esquecem-se de valorizar os comportamentos positivos. Criam, mas não educam. E isso gera filhos frustrados.”
Através de ferramentas de comunicação não violenta e imersões familiares, a mentora promove reconexões profundas: “Já tive pais que choraram ao perceberem a transformação dos filhos. Outros que voltaram a ver seus filhos sorrir após anos de silêncio e isolamento.”

As histórias são muitas — e emocionantes. A estudante que passou de quase reprovada a destaque na escola. A jovem que havia deixado de socializar após bullying e, após o processo, foi ao baile de finalistas. “Quando pais me dizem que um simples ‘obrigado’ é insuficiente, eu percebo que estou no caminho certo.”
Para Charzade, a sociedade moçambicana precisa urgentemente valorizar a escuta activa, o equilíbrio emocional e o diálogo familiar. “Vejo muitos adultos a desistirem dos jovens. Mas eles são criativos, potentes. Precisam de ferramentas certas e adultos conscientes. Se os ajudarmos, o mundo agradecerá.”
O seu maior sonho é ver esta abordagem inserida no sistema escolar. Já apresentou propostas ao Ministério da Educação e actua em algumas escolas privadas, com resultados promissores. “Gostaria que essa matéria fosse uma disciplina obrigatória. Mudaríamos o país a partir da juventude.”
A mensagem aos pais é clara: “Criar é dar comida, roupa, escola. Educar é ter tempo, ensinar valores, ser exemplo e conhecer verdadeiramente cada filho.” E, para isso, é preciso estar presente emocionalmente, buscar conhecimento e assumir o papel de guia na construção de uma vida com sentido.
Quando perguntada sobre o que mais a realiza, Charzade não hesita: “Ver o jovem reencontrar-se consigo mesmo. Porque nem sempre os pais estão dispostos a mudar. Mas quando ambos se comprometem, a transformação é poderosa.”
Por lidar com temas sensíveis e íntimos, Charzade já enfrentou cepticismo. “Alguns pais diziam que bastava ir à igreja. Outros achavam fraqueza procurar ajuda. Mas a gratidão e o perdão são bases fundamentais do meu trabalho.” Hoje, mais de 70% dos seus clientes chegam por recomendação.
Charzade também realiza palestras em escolas, mentorias online com jovens de Moçambique, Angola e Portugal, e imersões familiares presenciais. Nos dias 16 de Julho (em Angola) e 16 de Agosto (em Moçambique), conduzirá retiros especiais para pais e filhos — dias sem telas, sem distracções, focados em reconexão emocional.
Charzade encerra com as palavras emocionadas de uma das suas mentoradas, Liz, de Angola:
- “Mesmo que vocês não tenham vontade, venham! Porque vão agradecer por ter feito isto por vocês.”
- Aos pais, Charzade deixa um apelo directo: “Não esperem mais. O tempo passa. E daqui a um ano, o seu filho pode estar ainda pior.”
Temos o orgulho de dar voz a histórias que estão a mudar realidades. Charzade Daiá Araújo é uma dessas histórias vivas — uma mulher que escolheu sair da estabilidade para abraçar a causa do amor, da escuta e da transformação. Uma mentora que está, dia após dia, a reacender a esperança no seio das famílias moçambicanas.