Filipe Sitói dispara: “Moçambique precisa de reformas profundas para salvar a justiça e travar o presidencialismo absoluto”

No espaço televisivo da STV, “Grande Entrevista”, o Dr. Filipe Sitói defendeu a necessidade urgente de reformas estruturais em Moçambique, com enfoque na justiça, no sistema eleitoral e nos poderes do Presidente da República.

Por: Agostinho Muchave

A sua análise evidenciou a fragilidade das instituições e a urgência de mudanças para garantir um Estado de Direito robusto e estabilidade social.

Sitói iniciou a sua intervenção criticando a lentidão e as deficiências no funcionamento dos tribunais, sublinhando a dependência financeira e material destes face ao Executivo.

“Imagine que os tribunais têm processos de corrupção envolvendo pessoal das Finanças. Acha mesmo que o Ministério das Finanças vai libertar a dotação orçamental daquele mês ou entregar viaturas aos magistrados daquele tribunal?”, questionou.

O jurista recordou exemplos de juízes desembargadores que permaneceram longos períodos sem instalações adequadas ou sem ver materializados os seus direitos estatutários, bem como tribunais superiores em Maputo, Beira e Nampula que demoraram anos a ter sedes próprias. Para Sitói, esta dependência é inadmissível:

“O tribunal é Estado, é soberania. E a soberania é inalienável.”

A ausência de garantias sólidas para os direitos dos cidadãos, segundo o advogado, fragiliza a economia, afasta investimentos e gera instabilidade social e insegurança jurídica.

Sitói caracterizou o sistema político moçambicano como “centralizado e absolutamente presidencialista”, no qual o Presidente da República concentra poderes excessivos, sem mecanismos de “check and balances”. Explicou que, além das funções de chefe de Estado e comandante-chefe das Forças Armadas, o Presidente influencia nomeações em diversas áreas — desde reitores universitários a juízes —, podendo inclusive designar nomes fora das listas propostas pelos respectivos conselhos superiores.

Outro ponto crítico foi a irrelevância prática do cargo de Primeiro-Ministro, que, na sua opinião, actua apenas como auxiliar do Presidente, sem autoridade efectiva sobre os ministros. Sitói atribui esta realidade a factores históricos e culturais:

“Nós, africanos, não estamos habituados a ter dois chefes. Estamos habituados a ter o induna, o régulo, o rei ou a rainha. Nunca um vice-rei. O povo quer um chefe.”

Propôs, por isso, a transição para um modelo semi-presidencialista, atribuindo ao Primeiro-Ministro o papel de chefe de governo e criando até a figura de vice-presidentes, seguindo o exemplo da África do Sul.

“O modelo presidencialista já deu o que tinha a dar. Está ultrapassado e em crise.”

Sobre o controlo das contas públicas, Sitói lamentou que o Tribunal Administrativo se limite a emitir um parecer à Assembleia da República, sem poder real para reprovar contas governamentais. Defendeu a criação de um Tribunal de Contas com competência para rejeitar as contas e, se necessário, derrubar o Executivo, à semelhança do que sucede em Portugal. Esta mudança exigiria uma revisão constitucional.

No capítulo eleitoral, Sitói concorda com a transformação do Conselho Constitucional em Tribunal Constitucional, com novos critérios de nomeação que incluam personalidades independentes e experientes da sociedade civil. Rejeita, contudo, que o Conselho Constitucional conte votos:

“Isso é matéria da Comissão Nacional de Eleições e do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, que devem ser reformados.”

Defendeu ainda que o contencioso eleitoral seja julgado por juízes distritais, plenamente capazes de lidar com casos mais complexos do que a simples contagem de votos. Citando o exemplo do Botswana, defendeu rapidez e transparência no apuramento para restaurar a credibilidade e evitar crises pós-eleitorais.

Ao abordar as causas das convulsões políticas no país, Sitói lamentou que a “dolarcracia” tenha substituído valores como honestidade, trabalho e meritocracia, gerando injustiça social e revoltas. Recordou que a vigilância — valor da Primeira República — se perdeu, abrindo espaço a escândalos como as dívidas ocultas e à partilha de informações sensíveis com estrangeiros.

A sua mensagem final foi incisiva:

“O que Moçambique precisa é de uma justiça íntegra e corajosa, que defenda os direitos e liberdades fundamentais conquistados com sangue. As pessoas passam, as instituições ficam.”

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