Caríssimo amigo Frelimo

É sempre um prazer escrever uma carta para ti. Já não o fazia desde Outubro de 2023. De lá para cá aconteceram muitas coisas ou deixaram de acontecer. Esta minha carta vem renovar a nossa amizade existente desde 1975. Sei que andas muito ocupado, nestes dias, com a preparação das eleições. Estás a organizar a máquina para a disputa do poder. Estou certo de que, mesmo assim, encontrarás tempo para ler.

Já reparaste que nos conhecemos há muito anos? Pois é. O tempo não perdoa. Sei que às vezes me entendes mal nas minhas abordagens. Chegas a pensar que já não estamos juntos e que tenho outros amores. Não me ofendo com isso. Estás livre de dizer o que pensas de mim, teu amigo. Relaxa. A maturidade e a solidez da nossa amizade não me permite ter novas paixões. Eu, também, acho-te politicamente intolerante. Antes, não eras assim. Mudaste.

Amigo Frelimo, meu kota, tu já sabes, quando resolvo te dirigir algumas linhas é porque estou preocupado contigo. Não te vou perguntar, para não te embaraçar, porque é que a Comissão Política do partido ficou um mês sem se reunir, apesar de que, como teu amigo, sinto-me no direito de te cobrar explicações. Olha que não me convenceste com aquela de sobreposição de agenda do presidente do partido como razão para tal, mas prefiro ficar calado.

O certo é que a situação alimentou muitas especulações. Alguns diziam que é porque o presidente cessante precisa de ganhar tempo, pois ainda não encontrou o seu delfim que lhe garanta a paz depois de abandonar o poder. Vi isso escrito num jornal. As pessoas falam muito. Fazem tantas colagens para nos convencer de que estão certos no que dizem.

Amigo, já percebeste que se está a tornar sintomático a falta de regularidade na realização de sessões de alguns dos órgãos internos do partido? É preocupante. É que reduz o espaço de debate de ideias no seio do partido. Faz com que alguns membros discutam assuntos sensíveis fora dos órgãos apropriados. Sei que tu não gostas disso. Não é agradável de verdade, mas a culpa é toda tua ao não convocar sessões.

Amigo Frelimo. Eu conheço-te muito bem. Tu sabes disso. Percebi, por exemplo, que não gostaste nada de teres visto quadros como Samora Machel Júnior, Graça Machel, Teodato Hunguana, Eduardo Nihia e outros a pronunciarem-se, no ano passado, na comunicação social, evocando crise interna no partido que te encarregaste de desmentir sobre a sua existência.

Meu kota, desculpa qualquer coisa, mas não me lembro da última vez em que os quadros do partido se reuniram para debater assuntos candentes sobre a vida do país. Analisar a impopularidade do partido por conta do desgaste da sua imagem devido a vários problemas que apoquentam o país, nomeadamente o custo de vida, a corrupção, as dívidas ocultas, o TSU, a arrogância que caracteriza alguns dirigentes, a intolerância política e outros.

Não seria esta uma oportunidade para os quadros debaterem igualmente, a nível interno, sobre como resgatar a imagem do partido e do governo, bem como a necessidade de o partido reconciliar-se com membros e simpatizantes que decidiram pelo voto de castigo contra a Frelimo nas eleições autárquicas de Outubro do ano passado?

Em tempos, eras muito cuidadoso. Não falhavas nada. Aceitavas a crítica e autocrítica. Todos são testemunhas disso. Hoje, ao que tudo indica, a crítica não é bem-vinda. Fazias as coisas como mandam as regras. Tu sabes do que estou a falar. É o que te diferenciava dos partidos políticos da oposição que, na sua maioria, tomam decisões fora dos órgãos e, ainda assim, consideram-se democratas. Pelo menos isso tu não fazes, o que é bom, mas tens que melhorar em alguns aspectos.

Não compreendo, por exemplo, porque é que até agora não apresentaste a lista de pré-candidatos a candidato às presidenciais com tantos quadros que possuis e com perfil para governarem o país. Tens ideia do quanto não indicação dos nomes criou um desconforto no seio do próprio partido e da sociedade em geral?

Já paraste para pensar o que é que significa, numa altura destas, reunires a Comissão Política e, no fim, esta mandar dizer que não mexeu com o assunto sobre as candidaturas? Amigo, explica-me bem para que eu possa entender a demora na tomada da decisão. Pode ser que tenhas razão, quem sabe!

Mas digo-te uma coisa, desde já, que qualquer que seja a justificação a apresentar, dificilmente vais me convencer. Fiques sabendo que não saíste bem na fotografia. O que nós, teus amigos, e o público queremos saber é quem será o candidato da Frelimo nas próximas eleições. Isso é que mexe connosco, com a Nação inteira. Essa de comissões de trabalho e brigadas constituídas interessa ao próprio partido. Faz parte da sua organização com vista às eleições marcadas para 9 de Outubro próximo. A nós outros não nos diz muita coisa.

Lamento dizer-te isso com esta frontalidade, mas fui sempre assim contigo, na qualidade de teu velho amigo. Não te posso esconder nada. Com amigos como tu, chamo as coisas pelos seus próprios nomes. Podes, até, não gostar disso, mas tem que ser assim, amigo. Sinto-me que estou a ajudar-te, fazendo desta forma. Ou estou errado?

Meu amigo, há uma outra coisa que me preocupa. Não sei se é minha impressão, mas sinto que as liberdades dos cidadãos estão coactadas. Os nossos amigos em comum são da mesma opinião. Hoje em dia é um risco alguém falar a verdade em público. Casos há em que cidadãos foram mortos pela polícia a participar em manifestações. Moçambique é, sim, um país democrático, mas, às vezes, com características semelhantes de um país dominado por um regime ditatorial. Olha, é melhor terminar por aqui. Aquele abraço e sucessos nas próximas eleições. (X)

Jornal Visão Moçambique
Author: Jornal Visão Moçambique

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