NO DISTRITO DA MANHIÇA: Energia Para TODOS é uma Fraude – Investigação jornalística revela esquemas de cobranças ilícitas e burlas pelos funcionários da EDM

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A grassy field with trees and bushes in the background

Segundo o informe anual do Chefe Estado no ano de 2023, conta-se até então com a electrificação de 62 postos administrativos no país. Em 2023 foram mais de 7 postos administrativos electrificados, perfazendo um total de 343 mil ligações e como resultado 53 pontos percentuais do território nacional electrificado, estando, segundo o mesmo informe,  assegurada a corrente eléctrica a mais agregados.

Com isso, considera-se que metade da população moçambicana que não tinha corrente eléctrica, beneficiou-se do Energia para Todos, o que não se sabe é que na Província de Maputo, no distrito da Manhiça, para ter electricidade no âmbito da implementação do Projecto Energia para Todos, havia custos adicionais avaliados em pouco mais de 13.000,00MT(Treze Mil Meticais.

Uma inevstigação jornalística levada acabo no distrito da Manhiça em 2023, trás os contornos dos esquemas de cobranças ilícitas, envolvendo maioritariamente funncionários e supostos ex-funcionários da Electricidade de Moçambique que em coordenação com colegas no activo seguem a legalização das burlas.

A investigação enquadra-se na luta ao combate à corrupção no país, e cobriu os Postos Administrativos do distrito em causa, nomeadamente Maluana, Manhiça Sede, 3 de Fevereiro e o posto administrativo de Xinavane.

A acção do filme começa com a manobra de alguns funcionários que muitas vezes oriundos da capital Maputo, juntam-se igualmente aos distritais, escalando áreas cujos residentes carecem de energia e eles como técnicos que realizam a vistoria, mudam os fins pelos meios, ou seja, ao invés de realizar baixadas oficiais, começam com justificativas de não dispor do material, para tal operação. Outra justificativa é de que aquelas residências estão fora da rede, transcendendo com o aliciamento dos agregados  à comparticipação, ou seja, entrada nos esquemas de cobranças ilícitas.

Em anonimato, vítimas confirmaram ter recebido equipas da Electricidade de Moçambique, para a vistoria, só que, mais tarde as mesmas, informam não ter como concluir com os trabalhos,  porque as casas encontram-se a mais de 60 quilómetros do traçado do projecto. Assim sendo, alguns residentes em busca de solução, foram à sede da Empresa na Manhiça, mas, quando se chegaram àquele local, os funcionários justificam que o trabalho não podia ser realizado devido a falta de material.

Para além disso, estranhamente, com o passar dos dias alguns dos que foram dados a mesma informação,  começam a ter corrente eléctrica da rede nacional nas suas residências, situação que obrigou outros moradores a visitarem novamente as instalações da EDM. Os não contemplados, chegados lá, a Empresa Electricidade de Moçambique, contalhes outra história: “os que foram contemplados, é porque fizeram a compra do material”, ou seja, “comparticipação” e que “havendo condições pode-se contribuir para a compra do poste bastando emitir um pedido à empresa”. Propiciando um espaço para a corrupção e cobranças ilícitas bem como burlas.

Enquanto a entidade comunica não dispor do material, nossa equipa seguiu até as suas instalações e chegado ao local, visivelmente mais de 50 postes bem como cabos eléctricos, estavam espalhados pelo terreno, contrariando-se a narrativa de “falta de material”, conforme foram anunciando.

Postes com Cabos sem baixadas
Postes com Cabos sem baixadas

Ao longo dos bairros visitados, podem ser encontrados fios de corrente eléctrica não usados, alguns postes em locais baldados e devido ao seu estado alguns chegam a perigar a vida das pessoas que por ali circulam.

Chirindza é um dos cidadãos entre tantos outros que sofreram cobranças ilícitas e burlas. Acontece que, para ele, por não ter conseguido honrar o compromisso de disponibilizar mais dinheiro aos burladores da “EDM”, continua na escuridão, referenciando que os funcionários, disseram-lhe que queriam dinheiro, e por não dispor, nada seria feito. O caricato, segundo conta, é que de tanto recorrer à EDM, foi dado um contrato de energia para a baixada, datado de 23 de Abril de 2023, ou seja até à publicação desta matéria, se passavam cerca de 8 meses, nem água vai e nem vem.

Outra vítima é Helena. Esta cidadã, conta que sofreu uma cobrança foi de luxo, porque após ter regressado da EDM aonde ia celebrar contrato para o fornecimento de energia eléctrica, eis que no mesmo dia aparece um electricista da entidade em causa, dizendo-a que se tivesse 2.500MT faria a baixada, pois o caso dela é mais simples visto que conta com um poste em frente a sua casa.

Sucede, pois, que a dona do poste já havia alertado que para quem desejasse usar o poste deveria pagar uma taxa correspondente à 1500MT, pelo facto da vizinhança não ter contribuído com ela, “no entanto, recusei a pagar porque tenho o conhecimento do, ‘Energia para todos’”, disse Helena.

A mesma avança que participou de uma contribuição na sua zona, onde o valor foi pago em parcelas, 1.100MT a primeira prestação, 1.800MT a segunda e 650MT a última parte, perfazendo um total de 3.550,00MT.

As cobranças variam de acordo com o número populacional de cada bairro e ainda com o modelo de electricidade que desejam, falando exclusivamente da comparticipação em grupo ou por meio particular.

Chavane é o exemplo concreto de quem recorreu ao modelo em grupo. Em relato, conta que depois das cobranças feitas pelos agentes no dia da vistoria, a zona entrou em consenso elegendo primeiramente alguém para ter a função de tesoureira na contribuição para a compra dos postes e cabos eléctricos, de tal maneira que a primeira prestação foi de 1.100MZN, a segunda 1.800,00MT, tendo desistido quando tomou conhecimento do valor da última parcela, que rolava nos 3.300,00MT.

Devido a esse motivo acreditou que o modelo pessoal seria mais dinâmico, razão pela qual mais tarde, comprou pessoalmente um poste menor encontrado à 3.000MT, onde actualmente encontra-se em sua residência esperando os passos subsequentes.

A representante dos agregados familiares pode ter comprado o poste em vão, porque seu irmão, que recentemente recorreu à mesma via, uma outra comissão foi cortar a corrente, alegadamente por tratar-se de um poste pequeno.

Nesses esquemas há negociações que não tiveram sucesso, o exemplo de alguns agregados na localidade de Maluana, onde as vítimas foram exigidas dinheiro, e nessas exigências queriam 10.000MT, como não dispunham adiantaram 8.200MT, comprando o poste a 5.500MT com o transporte no distrito de Marracuene.

A lesada da zona 2, em relato conta que depois do pagamento presencial o funcionário nunca mais foi visto e na tentativa de ligar, sem sucesso e hoje tem uma marca de burla, pois em seu quintal tem um poste.

A outra lesada no mesmo bairro tinha o desejo de ver o seu salão electrificado, mas o mesmo caiu por terra, ao perceber que os seus 5.000MT, entregues, na realidade terminariam em burla.

Ela acrescentou que enviou várias mensagens ao funcionário dizendo-o que caso não fizesse a devolução do valor poderia o denunciar, mas o quadro da EDM terminou em promessas e nunca mais fez a transferência.

Os agregados que sofreram esse esquema por supostos funcionários da Electricidade de Moçambique em Manhiça, decidiram se dirigir à empresa com a finalidade de procurar por detalhes sobre o mesmo, no entanto, a instituição disse que o agente não é conhecido, ou seja, nunca pertenceu à organização.

Uma outra versão refere que o funcionário em causa foi expulso por ter esse tipo de prática, porém, continua estranhamente a exercer actividades ilícitas com o auxílio de colegas dentro da corporação.

Uma outra vítima  de cobranças ilícitas, disse que não foi exigido o dinheiro pelo Franio, mas que o tem visto nas mediações do distrito.

Massango, diz ter conseguido energia devido ao cargo que ocupa no distrito, mas não escapou da cobrança de 1.000MT para a baixada, tendo recusado porque sabia que tratava-se do programa Energia para Todos, e que também seu vizinho já havia comprado o poste, concordando que fizesse o uso.

Os dois casos de burla que fizemos menção anteriormente, já mereceram denúncia, mas até aqui sem sucesso.

Uma das lesadas após a denúncia dirigiu-se a EDM onde mostrou a participação, dada pelo Comando no acto de denúncia. Como resultado foi lhe dito que com brevidade far-se-ia vistoria em sua casa.

Documento comprovativo da Participação da Denúncia

A segunda burlada foi dada uma notificação dirigida ao funcionário, mesmo em declarações ter informado que não conhece o seu paradeiro, ou seja, mesmo caso e tratamentos diferentes.

Devido a essas cobranças, os populares acrescentam que os chefes de localidade bem como a administradora do distrito em algum momento foram solicitados para intervir no caso, mas a situação tende a agravar-se com o decorrer do projecto. No meio disso, há quem acredita que as cobranças surgem como um meio de apoio à  comunidade no acesso à energia.

Abílio Seda, director da EDM-Manhiça, referiu que a comparticipação não existe, mas tem bairros distantes acima de 40 Quilómetros que por iniciativa do cliente elabora um documento onde expressa o interesse de aquisição do material e anexa seguidamente com o comprovativo.

Seda avançou que muitas vezes o cliente se manifesta e a EDM, entra sem custo adicional.

“Nunca recebemos denúncias dos esquemas de cobranças, os nomes que acaba de citar não são colaboradores da empresa”, afirmou o director da empresa em Manhiça.

Silvio Romeu, Engenheiro Electrotécnico e Gestor do Programa Energia para Todos, na Electricidade de Moçambique, afirmou não existir comparticipação para a extensão da rede, “porque não tem a necessidade de recorrer a isso, pois a energia chegará para todos, porém não de uma única vez devido a agregados que se encontram distante da rede eléctrica”.

O gestor acrescentou que os clientes domésticos estão isentos de vistoria, portanto o que faz-se é a inspecção porque o processo abrange as indústrias, ou seja, clientes não domésticos, onde devem dirigir-se a EDM, solicitar a vistoria culminando com a assinatura de contrato. Ainda, clarificou que a EDM vai à casa do cliente e não o contrário. “Quando chegamos nas casas exigimos a documentação e a partir de um sistema fazemos o contrato”.

Em torno do material o Engenheiro instou que é obtido a grosso e posteriormente alocado para todos os pontos do país, tendo gasto 125 milhões de dólares na primeira fase. “Não recebemos casos de denúncias de cobranças ilícitas, mas havendo podem expor o caso nas linhas de denúncias através de 800145145”, referenciou Silvio Romeu.

O Fundo de Energia(FUNAE), avançou que o programa foi concebido pelo governo com o objectivo de levar a energia para todos os moçambicanos, que ainda não tinham acesso. O mesmo estabelece um alinhamento entre o Programa Quinquenal do Governo e os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, no sentido de assegurar o Acesso Universal até 2030, recorrendo a uma abordagem técnica e financeiramente viável. Igualmente consiste na promoção do acesso à energia de forma sustentável e racional, que contribua para o desenvolvimento económico e social das pessoas.

Para o programa o orçamento previsto é 79.65 milhões de dólares americanos, tendo até ao momento sido desembolsados 31.83 milhões de dólares aplicados em projectos de Electrificação de 15 Postos Administrativos. A instituição está a mobilizar o pacote remanescente na ordem de 48.61 milhões de dólares, para a conclusão do programa nos outros Postos Administrativos inscritos no programa,

A energia não chegará para todos de uma única vez por motivos sobejamente conhecidos, a densificação, a dispersão da população no meio rural, que é o foco do FUNAE na electrificação do país. Estas duas razões, densificação e dispersão, não permitem a adopção de uma única tecnologia à expansão do acesso. Há necessidade de integrar abordagens variadas.

Refira-se que o distrito da Manhiça, entre 2021 e 2023, conseguiu ligar 813 novos clientes là rede nacional, correspondente a 260 ligações na Ilha Josina, 60 em Chibututuine, 55 Punguane, 60 Malungana, 60 Mangazilane, 58 Pewinhaquene e 260 em Balucuene.

A investigação jornalistíca foi feita com o apoio do Centro de Integridade Pública(CIP), no Combate à Corrupção, financiada pela União Europeia(UE), através da AECID.

As opiniões nele expressas não representam necessariamente a opinião da UE, AECID ou CIP.

 

 

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